O Perna-vermelha-comum é uma ave invernante comum nos estuários e salinas do nosso País, onde procura alimento e refúgio. Porém, só uma política adequada do uso da terra poderá travar o actual declínio das suas populações.
Inês Catry
O Perna-vermelha-comum (Tringa totanus) é uma limícola de tamanho médio, com patas muito conspícuas, compridas e de cor vermelha vivo, ligeiramente mais pequeno e mais compacto que o Perna-vermelha-escuro (Tringa erythropus) e com patas e o bico mais curtos.
Os adultos em plumagem nupcial possuem as regiões superiores do corpo de tom cinzento-acastanhado e as zonas inferiores brancas, muito manchadas por estrias castanho-escuras no peito. A plumagem de Inverno é mais clara, as partes superiores são de tom cinzento claro e nas partes inferiores as estrias tornam-se menos visíveis. Os juvenis têm uma plumagem mais escura, com as penas das partes superiores castanho-escuras orladas a claro e as partes inferiores muito manchadas de escuro. O bico é direito, vermelho na base e escuro na extremidade.
Em voo realçam-se as zonas do uropígio e cauda, de cor branca com estrias escuras, que se prolongam em forma de losango até ao dorso. Nas asas apresenta uma barra branca ao longo das secundárias.
Apesar da sua área de distribuição englobar todo o Paleárctico, mais de metade da área de reprodução situa-se na Europa. Na Europa Ocidental (à excepção das Ilhas Britânicas e Países Baixos), esta espécie tem uma distribuição descontínua como nidificante. Na Escandinávia e Países Bálticos a sua distribuição é mais regular. Na Rússia e na Ucrânia apresenta uma distribuição uniforme. A Islândia, Noruega, Bielo-Rússia, Reino Unido e Holanda suportam mais de três quartos de toda a população reprodutora europeia, que está estimada em 300.000-630.000 casais. A Rússia e a Turquia poderão ter grandes populações, mas não são conhecidas estimativas nestes países.
Esta espécie inverna na Europa Ocidental, Mediterrâneo e África Ocidental. Do total da população invernante (cerca de 285.000 aves), 130.000-180.000 invernam na Europa, a maioria no Reino Unido (50%), Irlanda, Holanda e Portugal. A restante segue para África, essencialmente para a Guiné-Bissau, Mauritânia, Serra Leoa, Tunísia, Marrocos e Egipto.
Em Portugal, o Perna-vermelha-comum é um migrador de passagem, mas também invernante e nidificante. O número máximo de indivíduos contado no período de Invernos compreendido entre 1993/94 e 1995/96 foi de 6.468 em Janeiro de 1995. Nidifica irregularmente no Estuário do Tejo, Estuário do Sado, Ria Formosa e Castro Marim. Ocorre regularmente nos Açores, Madeira e Selvagens.
A maioria da população reprodutora sofreu um declínio desde 1970. Pensa-se que tal terá começado no noroeste e centro europeu no início do século XIX. Mais de 40% das populações reprodutoras (para as quais são conhecidas as tendências) diminuíram durante o período 1970-1990, incluindo as populações do Reino Unido, Holanda, Alemanha e Rússia. Para além disso, tem-se verificado a diminuição da área de distribuição da espécie em vários países com pequenas populações. Devido a este cenário, o Perna-vermelha-comum está classificado como SPEC 2 a nível europeu.
Em Portugal, esta espécie tem o estatuto de não ameaçada. Encontra-se presente nos Anexos II e III das Convenções de Bona e Berna, respectivamente.
As principais causas do declínio verificado até à data são também os principais factores de ameaça a esta espécie. A perda e degradação do habitat nas áreas de reprodução e de invernada constituem os principais problemas. As áreas de reprodução são destruídas pela drenagem das zonas húmidas, pela intensificação da agricultura (à qual a espécie é muito pouco tolerante) e à desflorestação, entre outros. Nos locais costeiros de invernada as aves são afectadas pelo desenvolvimento da indústria, pelas dragagens de terras, pela poluição e perturbação humana.
Para as aves que invernam na Europa Ocidental, os invernos muito rigorosos, durante os quais os corpos de água e campos ficam cobertos de neve, podem ter consequências extremamente negativas.
Os habitats de nidificação do Perna-vermelha-comum variam muito em cada região, abarcando um amplo leque de biótopos, desde as manchas de vegetação halófita em salinas de alguns estuários portugueses, aos prados húmidos das terras altas do Reino Unido, até à tundra arborizada da Escandinávia. Para invernar opta essencialmente por locais costeiros, como sejam estuários, salinas, lagoas costeiras, terrenos alagados e arrozais.
Alimenta-se maioritariamente de pequenos crustáceos, moluscos e poliquetas, mas também insectos, aranhas, peixes e girinos. A dieta, modo de alimentação e habitat podem variar e dependem das estações e do clima. O alimento é obtido nadando ou caminhando em zonas de água pouco profunda, capturando as presas à superfície ou utilizando o bico como sonda.
O início da reprodução diverge, variando com a latitude. As posturas decorrem desde o início de Abril até ao final de Junho. O ninho é construído no chão entre a vegetação rasteira ou numa cavidade de um tufo. O Perna-vermelha-comum faz apenas uma postura, geralmente composta por 4 ovos (3-5). O período de incubação prolonga-se por 23-24 dias. As crias estão aptas a voar ao fim de 25-35 dias.
É uma espécie principalmente migradora, embora existam aves residentes nos países costeiros da Europa Ocidental. Em geral, as aves das latitudes mais a Norte (Fenno-Escandinávia) são as que invernam mais a Sul, na África Ocidental. As aves que nidificam na Islândia invernam mais a norte, desde a Islândia ao Mar do Norte, enquanto que os indivíduos da Europa Ocidental e Central passam o Inverno em latitudes intermédias, centradas em França, Península Ibérica e no Mediterrâneo Ocidental.
A população da Península Ibérica é aparentemente migradora parcial. A migração pré-nupcial tem lugar entre Março e Maio, enquanto que a migração pós-nupcial decorre entre Agosto e Outubro.
Para além do nome mais comum, Perna-vermelha-comum, esta espécie é também conhecida como Chalreta, Fuselo, Maçarico, Sanheira, Tira-tira e Xibele, entre outros.
Embora algumas aves permaneçam no nosso país durante todo o ano, é no Inverno que esta espécie se torna abundante em numerosas zonas húmidas de Norte a Sul de Portugal. Nesta altura, é facilmente observável em qualquer estuário, nas zonas intermareais e sapais e também em salinas e sistemas lagunares costeiros. Durante a Primavera podem ser observadas nos locais onde nidificam, nomeadamente na Ria Formosa, Estuário do Sado e Tejo.
BIBLIOGRAFIA
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Leituras Adicionais
Ficha do Maçarico-de-bico-direito
Ficha da Narceja
Ficha do Ostraceiro
Ecologia e conservação da Andorinha-do-mar-anã nas salinas de Castro Marim e Cerro do Bufo
Acções de conservação para a população de Andorinha-do-mar-anã da Lagoa de Santo André
O abandono das salinas